21 de mar. de 2007

Ruminante ii

Sidnei era, tecnicamente, um ruminante. Passava dias ruminando tudo que acontecia consigo mesmo. Desde as manhãs, no rotineiro acordar cedo, até a noite, quando, depois das suas orações não tão fervorosas quanto esperariam os santos invocados. Pensava tanto nas coisas com que tomava contato que já tinha até desenvolvido uma maneira própria de fazê-lo. É claro que Sidnei não era burro. Sabia que não havia nenhuma maneira ainda inventada ou pelo menos palpável a um mero membro da classe média metropolitana de se colocar na mente dos outros - e sabia também que muita gente dizia que conseguia fazer esse tipo de coisa, mas não dava o menor crédito - e que, portanto, não poderia dizer que seu modo de ruminar era diferente, único, ou até mesmo melhor que de qualquer outra pessoa que esperava o ônibus no ponto com ele, das pessoas com quem falava no trabalho, ou, tanto faz, aqueles mendigos do centro da cidade.
De qualquer forma, era confortável pensar desse jeito. Além disso, pensar era a coisa mais confortável a se fazer, segundo as conclusões que Sidnei insistia em explicar a si mesmo. Não era uma mera válvula de escape como os mais extrovertidos e bem relacionados possam pensar. Não bastasse isso, é fácil concluir por si só, baseado nestes exemplos, que Sidnei não era nem um pouco um sujeito extrovertido tampouco bem relacionado - em termos de quantidade, já que o que importa é a qualidade, como gostava ele de frisar. Sidnei era bancário, tímido e um cara que gostava de ruminar sobre tudo que acontecia. E uma das ruminações que mais empertigava o bancário tímido ruminante era que ele quase nunca fazia o que queria.
Entre sua casa e o banco, Sidnei levava dez minutos até o ponto de ônibus. Quando chegava seu ônibus, mais dez minutos até o ponto mais próximo ao banco, então mais cinco minutos até o bebedouro, onde enchia sua canequinha de água e ia até seu caixa. Pelo menos era o que pensava. Mas nunca conseguiu calcular o tempo exato. Já tentara cronometrar - com o Dumont sem números que ganhara de mamãe - mas sempre se perdia na medição. O trajeto costumava levar não mais que nove minutos até o ponto de ônibus. Seu recorde eram quatro e catorze, em um dia que ele se atrasou com a fechadura de casa, mas ele não sabia disso. O maior tempo que esperou por um ônibus que lhe servisse foi cinqüenta e sete minutos e dezoito segundos, em um dia em que houve várias quebras seguidas. Segundo ele lembra, naquela sexta-feira esperou uma hora e meia - e pode então ruminar toda a semana com cuidado. O percurso do ônibus até o ponto próximo a seu trabalho lhe tomava mais nove minutos e meio, mais ou menos, mas poderia ser feito em sete facilmente se todos motoristas colaborassem. O recorde, três incríveis minutos cravados entre por o primeiro pé e tirar o último no ponto de chegada. Era outra sexta-feira e o dia anterio tinha sido feriado, de forma que a cidade estava vazia. A última etapa do caminho era a mais díspare. Sidnei levava geralmente de sete a dez minutos para chegar ao banco, pegar sua água e sentar-se no seu posto. Sua melhor marca chegava a um minuto, mas nesse dia não pegou água nem parou para ver vitrine nenhuma, nem na banca de jornais. Sidnei, contudo, se lembrava desse dia de maneira diferente, e não gostava de comentar a ocasião.

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