16 de dez. de 2011

Da bota do Batman


Nos arredores do Largo da Batata, nas ruas um pouco menos movimentadas, há essas lojinhas pequenas e meio improvisadas. Uma delas é uma Sapataria Rápida sob a alcunha genérica homônima ao dono e gabando-se, em mais de duas plaquinhas mal pintadas, de estar há 25 anos no negócio. A julgar pela ferrugem, a mais nova dessas plaquinhas tem 10 anos: a sapataria é velha pra cacete. E o dono, bêbado pra cacete.

Entrei checando a masmorra onde estava pondo os pés. De repente os caras querem arrancar meu couro pra fazer pisante pra cobrador da EMTU de Cotia... Pensei ver morcegos fugindo. No fundo do cômodo de uns sete metros, atrás de armários centenários, empoeirados e vazios, uma geladeira também idosa, banquinhos tortos, uma portinha por onde dava pra vislumbrar o quintal e ver o mato crescido. O cara deve morar ali.

Esperei um minuto mais ou menos. Não devia ser por estar atarefado demais, porque não vi sapato algum, tirando três solas direitas em exposição. Elas já tinham idade para comprar cerveja nos botecos ali perto, no fim do expediente.

O bafo precedeu o dono. Falando em EMTU, a camisa do cara era azul-cobrador. E não tinha botões. Não precisava deles, de qualquer forma. Era novo, mais novo do que eu esperava. Se tinha 50, já cheirava cola de sapateiro na lojinha do pai quando tinha 10 anos. Por isso a cara de lesado, a boca torta. A barba por fazer era desleixo mesmo.

Por mais que eu quisesse, não, minha bota não é que nem essa. Chuif.

Mostrei minha botinha de caminhada. Chamo de bota do Batman. A sola tem o mesmo desenho da sola do Cavaleiro das Trevas. De trás do balcão, ele abaixou, olhou e pensou. Imaginei as engrenagens sapateirísticas da lasanha cerebral dele acordando mal humoradas. Olhou e pensou, olhou e concluiu: não tava vendo, abaixou mais. Resmungou qualquer coisa.

Eu: onde?

Ele indicou uma loja, ainda bem que ainda em Pinheiros, onde se consertavam tênis daquele tipo. Enquanto se afastava de volta cava a dentro, grunhiu que a cola que ele tinha não funcionava, que tinha que ser uma fôrma especial e uma cola especial, que se o tênis fosse menos de 100 reais não compensava já que iam cobrar 50 conto pra colar isso aí.

Agradeci e sumi. E tem gente que poderia achar que perdi a viagem.

Atualização em novembro de 2012:

Fui a outro sapateiro do meso naipe, dessa vez na Liberdade. Poeira milenar, pôsteres de futebol com jogadores que já se aposentaram... do trabalho de treinadores. Funciona junto uma relojoaria, também de museu. Era agosto, um sábado. O sujeito, um senhorzinho de ralos e brancos cabelos e camisa, simpático, não hesitou: dez reais e ele não garantia nada, nadinha. Aceitei. Venho usando o sapato até hoje, tem aguentado. Estamos no fim de novembro.

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